Esfaqueado no pescoço em atentado em Piracicaba (SP), Alan Pressutto Rossi perdeu movimento de um braço, o que gerou afastamento do trabalho, sessões de fisioterapia e uso de remédios para dor. Salvo por ações de solidariedade, hoje ele integra ação que incentiva doação de sangue. Alan é membro da torcida Esquadrão, do XV de Piracicaba, e diz que depois do ataque precisa ficar em locais mais tranquilos do estádio para torcer pelo time do coração
Arquivo pessoal
O ajudante geral Alan Pressutto Rossi, de 29 anos, voltava do serviço às 14h40 do dia 21 de junho de 2022 quando percebeu que o ônibus urbano que costumava pegar para chegar até sua casa já tinha deixado o Terminal Central, em Piracicaba (SP). Decidiu, então, ingressar em um coletivo da linha Centro/Vila Sônia, sem saber que quando o veículo deixasse o local teria sua vida alterada profundamente.
Alan pegou o ônibus no qual um homem esfaqueou e matou três pessoas e deixou outras três feridas, durante seis minutos de terror dentro do coletivo. Ele é um dos sobreviventes e recebeu uma facada no pescoço. Como sequela, perdeu o movimento do braço esquerdo e, hoje, está afastado do serviço, mantém uma rotina de sessões de fisioterapia e uso de remédios contínuos para dor.
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Em entrevista ao g1 nesta quarta-feira (21), quando foi o atentado completou um ano, Alan revelou que foi atacado de costas, quando já estava nas escadas do ônibus para fugir do ataque.
“A mocinha que tomou duas facadas no peito levantou e me derrubou. E eu tentei ser rápido. Na hora que eu estava quase no último degrau pra descer pra rua, ele falou: ‘Falta matar você ainda’. Aí deu a facada. Até então eu não tinha sentido a facada no pescoço. Um colego meu falou: ‘pelo amor de Deus, não põe a mão no pescoço’. Depois que eu comecei a sentir o melaço descendo no meu peito que eu fui ver que era comigo o acontecido”, detalha.
Alan conseguiu andar até onde conseguiu e caiu ao perder a força nas pernas. Foi quando ocorreu uma ação de solidariedade que foi fundamental para sua sobrevivência.
“Aí veio a Maria, o anjo da guarda meu. Eu não conhecia, não sabia quem era ali no momento. Se eu estou vivo é por causa dela. Se não, eu não estava aqui não”, conta.
A auxiliar de laboratório Maria José Silva, de 31 anos, comprimiu o ferimento do rapaz com uma roupa até a chegada do resgate. Alan ficou sete dias em coma e, durante este período, teve duas paradas cardíacas: uma de seis minutos e uma de nove.
Local onde aconteceu o ataque, em uma das principais avenidas de Piracicaba
Edijan Del Santo/ EPTV
Fisioterapia e luta contra dor
O ajudante geral ainda venceria uma infecção, 15 dias de internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e um dia no quarto clínico até a alta. Mas sua batalha ainda não terminaria ali. A primeira delas foi a de voltar a andar. “Tive até que aprender a andar de novo. Perdi até o movimento das pernas”.
Ele mantém sessões de fisioterapia até hoje, mas no braço esquerdo, que perdeu os movimentos devido ao rompimento de 16 nervos.
“To fazendo tratamento, to fazendo fisioterapia, to fazendo tudo para não atrofiar, mas o braço não levanta. Sinto bastante choque, dor, de noite às vezes nem consigo nem dormir de tanta dor. Só tomando remédio [pra tirar a dor]”, revela.
Segundo o jovem, não há possibilidade de reconstrução dos nervos e retomada dos movimentos porque foram atingidos cortados na base.
Alan após deixar o hospital, onde ficou internado por 16 dias
Arquivo pessoal
Perda de colega
Alan também perdeu no ataque a colega Adriana Coelho da Silva, 42 anos, com quem ia de ônibus ao trabalho, em outra linha, sentido distrito industrial Unileste.
“Eu pegava ônibus com ela todos os dias, e uma semana antes do acontecido foi aniversário dela. Até cantamos parabéns dentro do ônibus do Unileste, levamos bolo”.
A amizade nasceu dentro do coletivo e os dois trabalhavam em empresas vizinhas.
Paixão pelo XV e doação de sangue
Um dos refúgios de Alan é a paixão pelo time do XV de Piracicaba e pela torcida organizada Esquadrão, que integra. Quando ficou internado, Alan precisou de 16 bolsas de sangue, o que gerou uma mobilização da torcida, que conseguiu o suficiente para atendê-lo.
Hoje, o próprio ajudante geral participa de uma ação permanente junto aos amigos da Esquadrão para incentivar a doação.
“Sempre é bom salvar vidas, né. É só 15 minutos que você fica na maca doando sangue. Nesse ano eu não posso ainda, mas eu pretendo doar sangue no ano que vem”.
Momento em que agentes de trânsito bloqueiam o trânsito em avenida de Piracicaba, após atentado em ônibus
Claudia Assencio/ g1
Jovem sugere detector nos terminais
Ao descrever o ataque, Alan demonstrou o desespero e impotência de várias pessoas presas dentro do coletivo enquanto o criminoso esfaqueava diferentes pessoas.
“Você ver o desespero dentro do ônibus e você não poder fazer nada, sabe. Um monte de gente, você no aperto, e o cara falar ‘vou te matar agora, é sua vez’. Aí, todo mundo gritando, querendo sair, eu dando murro na porta para quebrar o vidro”.
Questionado sobre medidas de segurança que poderiam ter evitado o atentado, ele cita a presença de guardas municipais dentro dos ônibus e detectores de metais nas catracas de entrada dos terminais.
“Seria bom também, porque ele entrou com a faca. Se passar na cabininha ali, apitou, você mostra o que você tem. Demora um pouco mais, mas pelo menos ninguém entra armado”, sugere.
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Câmeras e rastreamento ainda não implantados
Um ano após o ataque, a instalação de câmeras de monitoramento nos coletivos da cidade e sistema para rastrear a localização deles, prometidos para aumentar a segurança no transporte público, ainda não ocorreu.
Após o ataque, passageiros relataram insegurança na linha onde aconteceu o atentado e cobraram medidas como monitoramento 24 horas e presença de um segurança dentro de cada coletivo.
A instalação das câmeras em todos os coletivos e do sistema de rastreamento, para acompanhamento deles em tempo real pela pela Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes (Semuttran), no entanto, não tem prazo para ocorrer.
As medidas estão previstas no edital de licitação para concessão do transporte público da cidade, lançado em dezembro de 2021. Desde então, o procedimento teve suspensões devido a contestações administrativas e judiciais de empresas e solicitações de correções feitas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).
Judicialmente, a licitação chegou a ficar paralisada entre abril e agosto de 2022 e, no último dia 5 de junho foi novamente suspensa em decisão favorável a uma empresa que perdeu a concorrência para a Rápido Sumaré. O início da operação da contratada e instalação dos sistemas de segurança, agora, dependem de uma nova decisão judicial que volte a liberar a conclusão da concorrência.
Questionada pelo g1, a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana, Trânsito e Transportes (Semuttran) informou que há câmeras nos terminais que são monitoradas desde a abertura dos portões até o fechamento.
A pasta também apontou que há guardas civis nos terminais de ônibus e orienta os passageiros que notarem alguma atitude suspeita que procurem um desses guardas ou um funcionário do terminal para relatar a suspeita.
“É importante ressaltar que a próxima empresa a assumir o serviço terá câmeras em todos os ônibus, exigência que consta no edital de concorrência”, reforçou.
A viação Tupi, que opera emergencialmente o transporte público da cidade desde maio de 2020, informou que não vai se manifestar.
Ônibus onde o crime ocorreu, na Avenida Armando de Salles Oliveira, em Piracicaba
Claudia Assencio/ g1
O ataque
O ataque ocorreu às 15h15 do dia 21 de junho, em um coletivo da linha Centro/Vila Sônia, quando o veículo estava na Avenida Armando de Salles de Oliveira, uma das principais da cidade, nas proximidades do cruzamento com a Rua Regente Feijó, no segundo ponto após saída do Terminal Urbano da cidade.
De acordo com uma passageira, o autor do crime, que tem 52 anos, saiu do terminal em silêncio e, repentinamente, começou a desferir as facadas. Imagens que circularam em redes sociais mostram o homem realizando os ataques e PMs chegando ao local para rendê-lo e realizar a prisão.
Segundo a delegada Juliana Ricci, da Divisão Especializada em Investigações Criminais (Deic), ele já tinha uma passagem pela polícia.
“Até o que a gente tem de informação dele, ele não tinha nenhuma motivação pra ter feito o que fez e o pronto atendimento da Polícia Militar minimizou os danos, porque sem uma intervenção pronta, com certeza teria feito mais vítimas”.
Ela também revelou que ele não tinha nenhum vínculo com as vítimas. “Elas foram escolhidas de forma aleatória. E as informações que nós temos é que ele reside sozinho”.
Vítimas do ataque em ônibus de Piracicaba, da esquerda para direita, Roseli Ramalho Ferreira, 55 anos; Valdemar da Silva Venâncio, 68 anos e Adriana Coelho da Silva, 42 anos
Arquivo pessoal/Montagem g1
A delegada ainda informou que ele apresentava falas desconexas quando foi preso, mas que ainda não era possível dizer se estava sob efeito de alguma substância à época da prisão.
“Ele embarcou no terminal central e quando saiu para a [Avenida] Armando Salles ele começou o ataque. Daí uma viatura que ficou parada no cruzamento da XV de novembro e Armando Salles percebeu a gritaria e o pedido de socorro. Aí a gente se mobilizou para tentar fazer a abordagem”, relatou Gilberto Ferreira Algarra, 1º Tenente da PM.
De acordo com o militar, o homem se rendeu, mas estava alterado.
“As pessoas estavam em estado de choque, horrorizadas, não conseguiam mal se comunicar com a gente. O próprio indivíduo que fez o ataque era inviável conversar com ele”.
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Pedido de nova avaliação psiquiátrica
O autor do ataque deverá passar por novo exame de avaliação psiquiátrica, segundo decisão da Justiça. Esse é o segundo pedido oficial de laudo para atestar qual é condição mental do réu.
A solicitação se baseou em incoerências apontadas pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em laudo pericial anterior. Na decisão, o juiz pede que o exame seja feito por outros peritos do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc), diferente dos profissionais que realizaram a perícia anteriormente.
De acordo com o representante do MP, o promotor Aluísio Antonio Maciel Neto, o juiz acolheu pedido do Ministério Público que impugnou o laudo de insanidade mental apresentado em razão de incoerências constatadas pelo setor técnico de psiquiatria do MP.
A Promotoria também sugeriu a possibilidade de participação do setor técnico do MP no acompanhamento da perícia. “Nós precisamos ter a certeza do quadro psiquiátrico do acusado a fim de que eventual decisão judicial – de pena ou aplicação de medida de segurança – não resulte em injustiça”, justifica Maciel Neto.
“Se aplicada a medida de segurança, sem que haja a definição concreta de doença mental permanente, em poucos anos – um a três anos – ele pode ser colocado em liberdade e não haverá mais nada a ser feito”, conclui o promotor.
Câmera de segurança de central de monitoramento flagrou ônibus circulando e parando durante ataque
Reprodução/ Cemel
Três pessoas morreram no local e três foram socorridas com vida, segundo a PM
Claudia Assencio/ g1
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