Pesquisa da Unicamp associa falta de equipamentos públicos em bairros periféricos de Limeira a cenário de vulnerabilidade social


Entre exemplos, estudo desenvolvido na Faculdade de Ciências Aplicadas cita falta de escolas e unidades de saúde no bairro Geada, inaugurado em 2014, e de escolas no Residencial Rubi, criado em 2017. Autor e co-orientador relacionam cenário à especulação imobiliária. Bairro Geada, que passou a ser habitado em 2014: sem equipamentos de saúde e de educação
Antonio Scarpinetti/ Unicamp
Uma pesquisa de mestrado desenvolvida na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), da Unicamp, relaciona a falta de equipamentos públicos como escolas e postos de saúde em novos bairros periféricos de Limeira (SP) à vulnerabilidade social nessas localidades.
O trabalho foi desenvolvido por Noan Sallati, com orientação do professor Carlos Etulain e co-orientação do professor Rodrigo Toledo, membros do Laboratório de Economia e Gestão (LEG) da FCA. Ele foi contemplado, este ano, com o Prêmio de Reconhecimento em Direitos Humanos Unicamp – Instituto Vladimir Herzog.
Entre os exemplos apresentados no trabalho está o do bairro Geada, inaugurado em 2014 e, até o momento, sem unidades de saúde e educação; e o Residencial Rubi, entregue em 2017 e que não tem escolas e recebeu a primeira unidade de saúde três anos depois, em 2020.
“Neles [Geada e Rubi] identificamos concentração de moradias e cidadãos distantes, geograficamente, de regiões comerciais, de serviços e do mercado de trabalho consolidadas. Bairros que sofrem um tipo de segregação que é a cara da desigualdade que está presente nas cidades brasileiras”, explica Toledo.
Segundo ele, são regiões em que são recorrentes os piores indicadores sociais como evasão escolar, baixos níveis de escolaridade, trabalho infantil, desemprego, insegurança alimentar, dentre outros. Esses dados foram extraídos pelos pesquisadores de levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Esse cenário […] influencia diretamente na qualidade de vida da população residente, visto que a mesma está, neste hiato, desamparada de determinadas políticas públicas e necessita se locomover para outras regiões para conseguir o atendimento que demanda”, pontua Noan.
O co-orientador detalha que a pesquisa sistematizou mais de 170 equipamentos comunitários distribuídos pela cidade. Só da área da educação foram considerados 113 para a pesquisa, que totalizavam, em 2020, mais de 56 mil crianças e adolescentes matriculados.
Bairro Geada, inaugurado em 2014 que, até o momento, está desprovido de equipamentos de saúde e educação
Antonio Scarpinetti/ Unicamp
Renda de um salário mínimo
A pesquisa mapeou equipamentos de educação, saúde e assistência social e teve três etapas: levantamento de dados, tratamento deles e transformação do material em mapas temáticos.
Noan explica que o trabalho identificou que as regiões noroeste, sul e leste possuem quase que a totalidade dos conjuntos habitacionais construídos em Limeira – inclusive os de constituição recente, como o Geada e Rubi.
A pesquisa também constatou, através dos dados do IBGE, que são esses locais que possuem a maior quantidade de domicílios vivendo com até um salário mínimo por mês. Também são os locais com maior taxa de trabalho infantil do território e maior quantidade de negros e pardos da cidade.
Na região noroeste, bairros como o Parque Nossa Senhora das Dores, Belinha Ometto, Abílio Pedro, Geada, Morro Azul, têm concentração de 4,4% de suas residências vivendo com até um salário mínimo, o maior percentual da cidade.
“Toda essa convergência de indicadores transformam os locais em espaços prioritários para políticas públicas, dado o potencial de vulnerabilidade que estão submetidos”, aponta o autor do estudo.
ARQUIVO: Conjunto habitacional no Geada 2, em Limeira
Reprodução/EPTV
Conjuntos habitacionais na periferia
Segundo Noan, a pesquisa identificou, através de observação de mapas, consultas a documentos oficiais e buscas a outras obras na literatura acadêmica, que a expansão urbana de Limeira acontece, desde o final da década de 1960 até o tempo presente, segregando as camadas de menor poder aquisitivo para as periferias da cidade através dos conjuntos habitacionais.
Nessa lógica, também conforme o pesquisador, são valorizadas as terras melhores localizadas, ou seja, mais próximas do centro urbano consolidado.
“Pode-se dizer, deste modo, que Limeira atua como indutora da periferização da sua população pobre e das ocupações suburbanas no município, ou seja, como agente produtor de desigualdades”, afirma.
Para Toledo, a pesquisa leva à constatação de que as vulnerabilidades são construídas historicamente em uma cidade.
“O ritmo e a forma do desenvolvimento urbano não são ditados pelas populações de mais baixa renda, mas sim por incorporadoras que utilizam-se, geralmente, dos conjuntos habitacionais para gerar e valorizar os denominados vazios urbanos”, acrescenta.
O docente afirma, ainda, que o vazio urbano é transitório na história de uma cidade, pois se transforma em produto de alto valor no mercado imobiliário: os chamados condomínios fechados.
“A população que depende da mobilidade urbana pública para se deslocar, para chegar até ao trabalho, até a escola, creche ou posto de saúde é a mais penalizada por esse modelo de organização da cidade. A especulação imobiliária impede a universalização do direito à cidade”, analisa.
Vista aérea de Limeira
Prefeitura de Limeira
Plano Diretor e vazios urbanos
Toledo aponta que o Plano Diretor da cidade identificou e mapeou vazios urbanos e regiões ocupadas por populações vulneráveis em situação de risco. E destaca que o documento orienta que os vazios urbanos devem ser áreas ocupadas, prioritariamente, por conjuntos habitacionais para populações de mais baixa renda.
“Tal medida faria com que tivéssemos uma cidade compacta, em que a quantidade de equipamentos urbanos pudesse, em tese, ser em menor quantidade. A estrutura de mobilidade urbana coletiva seria menos custosa, democratizando, assim, o acesso e o direito à cidade”, analisa.
O docente vê na pesquisa um potencial de se tornar referência para que os poderes públicos revejam seus modelos de desenvolvimento.
“O diagnóstico que a pesquisa proporcionou poderá ser uma ferramenta importante para o desenho de políticas públicas, planos e ações que tenham como beneficiários os grupos sociais mais vulneráveis de uma cidade. É, portanto, uma importante ferramenta de gestão e que poderá possibilitar aumento da qualidade do investimento público”, sugere o co-orientador do estudo.
Noan também aponta o levantamento como um alerta sobre a necessidade de maior planejamento antes do lançamento de novos conjuntos habitacionais.
“É necessário, para a alteração deste cenário, que a administração pública planeje antecipadamente a construção dos equipamentos, e faça a sua inauguração no momento que a região ou bairro é entregue, ou quando seus primeiros moradores se estabelecerem”, sugere.
O g1 questionou a Prefeitura de Limeira a respeito das medidas adotadas para atender todas as regiões com equipamentos públicos, além das ações habitacionais voltadas à população de baixa renda, mas não houve retorno até a última atualização desta reportagem.
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