Alvos de criminosos vão de celulares a carros; PM relata déficit em efetivo, aponta possível subnotificação de casos e incentiva denúncias no 190, enquanto Unicamp disponibilizou botão do pânico e negocia com a prefeitura disponibilização de ônibus circular entre moradias e campus. Campus da Unicamp em Limeira
FCA/ Unicamp
Andar em grupo, deixar em casa notebooks ou tablets, e até faltas nas últimas aulas do período noturno para voltar mais cedo para casa se tornaram rotina na vida de estudantes do campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em Limeira (SP). Segundo universitárias, isso se deve a um clima frequente de medo causado por uma onda de assaltos nas imediações da instituição.
A Polícia Militar revela limitação de efetivo, aponta possível subnotificação de casos e incentiva vítimas a sempre acionarem a corporação. A Unicamp informou que ativou um botão do pânico e negocia com a prefeitura a disponibilização de um ônibus circular para transporte dos estudantes entre o campus e suas moradias.
A pedido das vítimas, o g1 vai identificá-las apenas pelo primeiro nome ou não identificá-las. Uma delas é Camila, de 18 anos, que veio para Limeira em 2022 para estudar na Unicamp. “Logo no começo do ano passado fomos bombardeados por várias informações de grupos de WhatsApp sempre avisando: ‘teve um assalto em tal localização agora’. E isso causa um pavor contínuo na gente”, revela a universitária, que é integrante do Centro Acadêmico Antônio da Costa Santos.
A aluna faz um percurso de cinco minutos a pé entre o apartamento onde mora e a faculdade, diariamente, com uma amiga. As duas foram alvo de criminosos por volta das 18h30, na Avenida Cônego Manoel Alves, próximo a uma base da Polícia Militar, que fica na Praça Primeiro de Maio, a 750 metros da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp.
“Eles [assaltantes] estavam atrás do carro e atrás da árvore, chegaram, apontaram uma arma para gente e falaram: ‘passa tudo, passa tudo’. Eu, no desespero, saí correndo para o meio da rua. Minha amiga acabou ficando e perdeu o celular. Eu quase fui atropelada porque estava pedindo ajuda para as pessoas na rua e ninguém ajudava. Os dois caras que assaltaram a gente subiram em uma moto que estava escondida no canto e foram embora”, relata.
Camila conta que as duas registraram boletim de ocorrência e comunicaram o caso à diretoria da faculdade, que apenas orientou que preenchessem um formulário com os seguranças terceirizados da instituição.
“Todas as pessoas que conversei ontem na faculdade, e foi um número considerável de gente, disseram que conhecem pelo menos uma pessoa que nas últimas duas semanas foi assaltada […] São casos praticamente diários que a gente escuta”.
Entre os casos que ela já ouviu de colegas está o de uma estudante que foi assaltada por um criminoso com uma arma quando estava indo ao mercado, perto da cidade universitária, às 11h. E o de um aluno que estava indo para a república onde mora à noite e foi ameaçado. “O cara estava com uma faca e ele teve que passar tudo porque com a faca não tinha nada para fazer”.
Os locais principais dos crimes, segundo os estudantes são Avenida Cônego Manoel Alves, Avenida Dr. Fabrício Vampré e a região do bairro Chácara Antonieta.
Base da PM na Praça Primeiro de Maio fica a 750 metros da entrada da FCA
Google Street View
Gabriela, de 21 anos, ingressou na universidade em 2020, mas veio morar em Limeira (SP) apenas no último ano do curso. Ela conta que foi avisada por veteranos sobre os constantes assaltos que aconteciam nas redondezas da FCA e, no primeiro mês na cidade, se tornou uma das vítimas.
“Sábado, às 13h51, no portão do apartamento em que eu estava morando provisoriamente, eu e minha mãe, enquanto estávamos descendo do carro, fomos abordadas por um assaltante”, conta. A estudante diz que achou tão improvável estar sendo assaltada naquele horário que sua primeira reação foi rir.
“Foi quando o assaltante ameaçou a pegar uma suposta arma em sua cintura, e assim, saiu levando o carro e os pertences da minha mãe. Ao avisar nos grupos de Whatsapp, três pessoas me mandaram mensagem perguntando do local do assalto, que foi próximo à praça do bairro, e relataram que há dias viam movimentações estranhas e que nenhuma atitude havia sido tomada”.
A universitária conta que ao ir à delegacia foi transferida para outra para, no fim, ser orientada a fazer o boletim de ocorrência on-line. “E, depois de feito, nunca mais tivemos notícias do que ocorreu com o carro e os demais pertences”, lamenta.
Uma estudante de engenharia ambiental de 21 anos também comentou sobre movimentações suspeitas nas proximidades da república onde mora com colegas.
“Era um final de semana que o namorado de uma das meninas estava aqui com o carro. Eram dois homens, eles passaram uns três dias estacionados acima de casa, subindo e descendo o quarteirão, esperando dar bobeira ou algo do tipo. Até a gente entender que era por conta do carro, porque depois que ele [o namorado da menina] foi embora, os caras sumiram”, relata.
Ela diz que as moradoras da república ficaram com medo por achar que eles queriam invadir a casa ou sequestrar alguma aluna que mora lá. “Ligamos pra polícia, mas eles não fizeram nada praticamente, e é sempre assim, eles nunca fazem nada. A delegacia aqui perto, em frente à faculdade, é a mesma coisa que nada”, critica.
Avenida Cônego Manoel Alves, que dá acesso à FCA, é um dos principais locais de assaltos, dizem estudantes
Google Street View
Cenário forçou mudança de rotina
Em meio à onda de assaltos, os estudantes acabaram adotando medidas por conta própria para se precaver.
“O que a gente faz é mobilizar grupo de WhatsApp para ir junto, voltar junto e essa não é a melhor solução como segurança pública […] Na faculdade, eles pedem que a gente use tablet ou computador e eu não levo os meus faz muito tempo porque não tem como você correr o risco de você perder”, revela Camila.
Ela diz que essas limitações também afetam o desempenho no curso. “Muitas vezes, como nossa aula vai até 23h, eu saio mais cedo da aula ou eu perco uma aula porque não tem condição de eu voltar para casa às 23h nessas circunstâncias”.
Mobilizações e reivindicações
Camila conta que em 2022, estudantes realizaram uma reunião com a vereadora Isabelly Carvalho (PT), para discutir a situação. “Foi montado um conselho da polícia junto aos pais de alunos. Era um grupo de WhatsApp onde eles informavam os planos de ação de segurança”, explica.
As principais reivindicações são melhoria na iluminação no entorno da universidade, mais policiamento na área e corte frequente do mato alto em alguns espaços das imediações. Além disso, há uma mobilização pela implantação de um ônibus circular que transporte os alunos entre suas moradias e a universidade.
Camila destaca que no campus de Campinas esse tipo de transporte já existe. “Lá eles [estudantes] têm ônibus interno, ônibus circular externo e aqui a gente não tem nada disso, sendo que nem moradia a gente tem. Lá eles têm moradia”.
Gabriela conta que durante seus anos de curso viu várias ações de estudantes por uma melhoria na segurança da região.
“Presenciei abaixo-assinados solicitando um maior policiamento e segurança e posts de centro acadêmicos com dicas de segurança para alunos. Ainda assim, em 2023, os assaltos continuam sendo uma grande preocupação para nós alunos da FCA. São recorrentes mensagens sendo transmitidas em grupos por vítimas de assalto aqui na região”.
Estudantes reivindicam ônibus para transporte entre o campus e suas moradias
Reprodução/EPTV
Déficit de efetivo e possível subnotificação
Capitão da 5ª Companhia da Polícia Militar de Limeira, André Luiz aponta uma possível subnotificação de casos, que é quando não chegam todas as ocorrências até os bancos de dados da corporação.
“O maior problema da [área da] Unicamp é a não realização do chamado policial através do [telefone] 190. Então, o que ocorre? Quando vou consultar a base de dados para direcionar o policiamento, a região da Unicamp aparece com baixos índices criminais. Com isso, fica extremamente complicado planejar o meu policiamento no entorno da Unicamp”, explica.
Ele também aponta que verificou casos que aconteceram dentro do campus, onde a segurança fica sob responsabilidade de uma equipe privada.
“Para complicar um pouco mais, infelizmente, a PM do estado inteiro enfrenta problema de efetivo. Muitos pediram baixa e pouquíssimos estão aderindo à profissão. Então, nosso efetivo está cada vez mais minguado. A esperança é a atual política do governo que se mostra muito preocupada em aumentar o efetivo da PM em todo o Estado”, afirmou.
Segundo o capitão, na área de sua companhia estão atuando equipes em quatro viaturas para patrulhamento 24 horas em uma área de 200 mil pessoas, que inclui 17 escolas estaduais.
“Por isso a importância de se fazer 190 para que realmente haja o registro estatísticos e eu consiga ‘puxar o cobertor’ onde realmente está precário”, acrescenta.
O PM também sugeriu que os alunos criem um grupo de WhatsApp exclusivo para alertar sobre ocorrências entre eles mesmos, como os grupos de vizinhança solidária.
O g1 questionou a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) sobre previsão de reforço no efetivo da Polícia Militar na cidade mas não houve retorno até a última atualização desta reportagem.
Faculdade criou botão do pânico
Em nota, a FCA da Unicamp afirmou que, no interior do campus, a instituição conta com o apoio de uma empresa de vigilância contratada e que não há registros recentes de furtos ou assaltos. “Nos bairros do entorno, a questão de segurança se mostra mais complexa e envolve outras instâncias do poder público, com quem mantemos parcerias”, comunicou.
Também informou que a Secretaria de Administração Regional (SAR), órgão da Unicamp responsável pela vigilância interna, implantou o aplicativo Botão do Pânico. E que, caso o aluno precise de apoio no interior do campus, também pode entrar em contato com a Central de Atendimento pelo telefone (19) 3701-6767.
Botão do pânico lançado pela Unicamp
Unicamp
Apontou, ainda, que está constantemente em contato com a Polícia Militar e com o Conselho de Segurança do Município para discutir ações a serem encaminhadas no bairro em que a faculdade se localiza.
Sobre a afirmação de Camila sobre impossibilidade de levar notebook ou tablet pelo risco de ser assaltada, a FCA afirmou que disponibiliza aos alunos duas salas com aproximadamente 80 computadores que podem ser utilizados a qualquer momento do dia.
“A instituição também inclui na ‘recepção de calouros’ orientações sobre segurança aos alunos, entre as quais a) olhar com atenção à sua volta, b) não caminhar olhando mensagens no celular e com objetos de valor à vista, c) caminhar nas ruas junto com amigos e colegas, d) não deixar objetos visíveis nos veículos, e) iluminar a parte externa das habitações, f) acionar o 190 e chamar a Polícia Militar em caso de ameaça”, elencou.
Em relação ao horário de saída nas aulas do período noturno, a instituição informou que, normalmente, “não há cancelamento nem reposição de aulas por questões que competem à segurança pública do município”.
Ônibus para alunos sem prazo
Questionada sobre a disponibilização de um ônibus para transportar os estudantes em seus trajetos, a FCA comunicou que está em andamento, junto à Prefeitura de Limeira, “estudo de viabilidade para implantação de alternativa de transporte que melhore a mobilidade estudantil fora do campus, mas ainda não há previsão para início de funcionamento”, acrescentou.
Já a Secretaria de Mobilidade Urbana da cidade informou que recebeu a solicitação e que, inclusive, se reuniu com a reitoria da universidade sobre o tema. Segundo a pasta, o pedido está em análise, mas não há previsão para definições.
A Secretaria de Obras e Serviços Públicos também apontou que a região da Cidade Universitária e bairros adjacentes já estão recebendo a modernização da iluminação pública, com a substituição de luminárias antigas para tecnologia em LED. Segundo a pasta, essa medida será adotada em toda a cidade.
“Serviços de manutenção e zeladoria podem ser solicitados pelos canais oficiais da prefeitura: telefone 156 ou aplicativo eOuve 156”, apontou, em relação ao corte de mato alto.
Em relação aos patrulhamentos da Guarda Civil Municipal, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Civil informou são intensificados em todas as regiões do município, em especial nas proximidades das instituições de ensino – municipais, estaduais, particulares e universitárias.
*Sob supervisão de Rodrigo Pereira
VÍDEOS: Tudo sobre Piracicaba e região
Andar em grupo, deixar pertences em casa e sair da aula mais cedo: onda de roubos muda rotina de alunas da Unicamp em Limeira
Adicionar aos favoritos o Link permanente.