Adolescentes têm jornadas de 8h de trabalho com venda de balas a R$ 0,10 em vias de Piracicaba: ‘pra minha mãe comprar carne’; VÍDEO


Jovens relatam trabalho difícil, uso de férias escolares para atividades e entrega de dinheiro para ajudar na renda familiar. Diagnóstico realizado pela prefeitura com crianças e adolescentes estudantes da rede pública mostra que 1,2 mil deles trabalham de maneira irregular. Escolas públicas de Piracicaba têm 1,2 mil alunos em situação de trabalho irregular; veja flagrantes
Crianças e adolescentes que trabalham em cruzamentos de vias de Piracicaba (SP) relatam jornadas de até oito horas de trabalho, vendas de balas por R$ 0,10, uso de férias escolares para a atividade e entrega do dinheiro à família para auxiliar na renda.
Um diagnóstico realizado pela prefeitura com 18.171 estudantes de 9 a 17 anos da rede pública mostra que 1,2 mil deles trabalham de maneira irregular.
Em um dos casos, a produção da EPTV, afiliada da TV Globo, flagrou uma adolescente de 13 anos vendendo balas em uma das avenidas mais movimentadas da cidade.
Produtor: “Tá difícil vender”
Adolescente: “Muito! Ninguém compra. Tudo ergue o vidro ainda”
No dia em que conversou com a produção, ela informou que estava no local desde as 7h da manhã trabalhando e tinha conseguido vender apenas uma bala por R$ 0,10.
Adolescente durante venda de balas em via de Piracicaba
Edijan Del Santo/ EPTV
Poucos metros adiante, na mesma avenida, mais três adolescentes de 13, 14 e 15 anos, realizavam o mesmo tipo de trabalho.
Um deles relatou que está de férias e outro contou que todos estudam na mesma escola. Eles afirmaram que consegue faturar entre R$ 60 e R$ 100 por dia.
“‘Nós vêm’ 8 horas, ‘nós fica’ até umas 4 horas [da tarde]”
“Eu dou [o dinheiro] pra minha mãe comprar alguma coisa: bolacha, carne, sabe… arroz…”, revela.
Cientista social da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) de Piracicaba, Fernando Monteiro Camargo explica que crianças e adolescentes que são expostos precocemente ao trabalho têm dificuldades em seu desenvolvimento individual.
“Elas não chegam a estudar uma quantidade grande de estudos na vida, o que leva elas, inclusive, a receber baixos salários na vida adulta. […] Além disso, existem todas as situações de saúde que podem acometer essa criança vítima do trabalho infantil”, alerta.
Adolescente durante venda de balas em via de Piracicaba
Edijan Del Santo/ EPTV
Subnotificação de casos
Segundo Camargo, um dos cenários evidenciados pelo levantamento foi a subnotificação dos casos.
“A gente tem hoje na secretaria 198 crianças ou adolescentes sendo atendidos e a discrepância dos dados que as escolas trazem é grande”, compara, já que o levantamento mostra 1,2 mil trabalhando de maneira irregular.
Agora, um relatório completo será disponibilizado para a população e cada escola que participou da pesquisa vai receber um relatório individual.
“Então, a partir desse relatório individual que a escola vai receber, a gente vai poder desenvolver estratégias localizadas nos territórios, com a população de lá, respeitando as características e particularidades de cada território”, explica o cientista social.
“Essas crianças são inseridas para atendimento psicossocial no serviço de referência especializado em crianças, que é o Creas [Centro de Referência em Assistência Social], e cria estratégias a partir de cada caso para sanar essa violação de direitos, que é o trabalho infantil”, completa.
Adolescente relata jornada de oito horas com venda de balas em via de Piracicaba
Edijan Del Santo/ EPTV
Reflexo do pós-pandemia, diz procurador
Procurador-regional do Trabalho, Ronaldo Lira atribui o cenário evidenciado pelo estudo ao pós-pandemia.
“Com toda a pobreza que existiu durante a pandemia, de pessoas que perderam o emprego, que perderam as vidas, então, esse desarranjo social conduz essas crianças e adolescentes para o trabalho infantil”, avalia.
O procurador também aponta que o trabalho infantil é, de maneira recorrente, ligado à exploração, à pobreza e ao trabalho escravo.
Piracicaba faz campanha contra trabalho infantil em áreas comerciais da cidade
isabella Borghesi/Prefeitura de Piracicaba
“É comum a gente encontrar pessoas resgatadas do trabalho escravo que foram vítimas do trabalho infantil. A informação é importante para que nós tenhamos conhecimento e possamos agir em rede”.
Ele elenca órgãos que podem ser procurados para denúncias desse tipo de situação:
Conselho Tutelar
Ministério Público Estadual
Ministério Público do Trabalho
Órgãos de assistência social, saúde e educação
“É comum a criança relatar ao professor, na redação, que nas férias dela esteva trabalhando, e não se divertindo, descansando. Então, tudo isso é conectado e a gente trabalha essa informação para fazer uma atuação”, revela.
Exploração para o tráfico
A pesquisa que deu origem ao diagnóstico foi realizada nos primeiros quatro meses do ano, sem a identificação das crianças e dos adolescentes e em duas etapas.
Na primeira etapa, com a participação de 18.171 estudantes, 59,79% do total de 30.389 alunos matriculados na rede estadual e municipal de ensino, na faixa etária entre 9 e 17 anos, a forma de trabalho mais relatada por todas as faixas etárias foi o trabalho doméstico, dentro e fora de casa.
Outros dados também apareceram, como casos de trabalho em comércio ou outra empresa da família, babá e ajudante de cozinha, entre outros.
Na segunda etapa, a pesquisa foi realizada com a aplicação de um instrumental específico que coletou os dados de 198 casos já acompanhados pelos serviços da Smads, onde o trabalho infantil mais presente é o tráfico de drogas.
Campanha ‘Criança não Trabalha’ é realizada em corredores comerciais de Piracicaba
Flavia Peres/ Smads
Campanha ‘Criança Não Trabalha’
A Smads lançou a Campanha Municipal Contra o Trabalho Infantil: “Criança Não Trabalha”. Entre os dias 1 e 7 de junho, realizou ações nos corredores comerciais de Piracicaba e em outros espaços públicos para conscientizar a sociedade sobre a importância de se combater esse tipo de violação.
“O objetivo principal é sensibilizar e mobilizar a sociedade a uma reflexão sobre as causas e consequências do trabalho infantil e a importância de garantir às crianças e aos adolescentes o direito de brincar, estudar e sonhar, vivências que são próprias da infância e que contribuem decisivamente para o seu desenvolvimento”, explica a superintendente da Proteção Social Especial da Smads, Rosimeire Bueno Jorge.
Contatos para denunciar
Em âmbito municipal, as situações de trabalho infantil podem ser denunciadas pelos seguintes contatos:
Seas, por meio dos telefones (19) 99446-4389, 99705-4663 ou 99445-5654;
Disque 100 da prefeitura;
Conselhos Tutelares, nos telefones (19) 3421-8962 e 3422-9026
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